sábado, 2 de novembro de 2019

As razões do ódio: do primeiro episódio da série de Spielberg

Do primeiro episódio: AS ORIGENS
  • Naturalmente, os autores foram procurar a expressão da agressividade e do ódio noutras espécies animais, sobretudo das que estão geneticamente mais próximas da nossa.
  • Constataram coisas muito interessantes, e deram grande relevância às semelhanças e diferenças que existem entre espécies tão próximas, tantas vezes confundidas entre si: os chimpanzés e os bonobos.
  • Os chimpanzés expressam de forma bem mais intensa a agressividade e o ódio; e a competição, nos chimpanzés. Os bonobos são mais pacíficos e solidários.
  • As explicações são genéticas e ambientais. A disputa de comida ou a abundância de alimento disponível fazem a parte de leão da explicação das diferenças. A fazer lembrar o ditado popular "Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão".
A estas constatações, que acrescento eu? 
  • Que, como tantos autores observam, provam e afirmam desde os primórdios das civilizações - por exemplo, os gregos clássicos; os Abel e Caim das bíblias; os contemporâneos Richard Dawkins e António Damásio -, a agressividade é uma característica básica da nossa espécie - biológica, genética. Está ao serviço da vida, e a vida reclama, muitas vezes, competição. É verdade, não há Paraíso terreno, tanto para os que crêem em Deus, como para todos os outros.
  • Que vale muito o pensamento de Konrad Lorenz em que ele afirma que, no fundo, as diferentes experiências civilizacionais expressam muitas das tentativas dos grupos humanos para controlar, através do estabelecimento de rituais no contacto pessoal, seja entre conhecidos, seja entre desconhecidos, a manifestação da agressividade. Atenção! Está ele a falar da manifestação da agressividade que não serve a Vida, pelo contrário, põe em perigo a vida dos grupos humanos e das pessoas.
Que percepção tenho eu do que está a acontecer?
  • Que estamos em pleno tempo de grave extinção de espécies culturais e civilizacionais.
  • Que quero eu dizer com isto? Genericamente penso que, juntámos
    - um desenvolvimento social e comunicacional positivo (acesso mais livre, rápido, pessoa e directo à informação; e à muito acrescida possibilidade de todos comunicarem directamente com todos),
    - a pressa em comunicar (reduzindo imenso a reflexão sobre a informação acedida),
    - e a expressão de opiniões e tomadas de decisão mal informadas e avidamente moldadas por necessidades emocionais perturbadores,
    - a soma, no fim, é um muito mau resultado.
Em que resultou este muito pouco saudável comportamento aditivo?
  • Desdenhamos dos rituais civilizacionais, atacamo-los; e tudo o que sugira regulação ou controlo do comportamento pessoal e social é tomado como injusto, racista, xenófobo, discriminatório, excluidor. Cada vez mais praticamos, com raiva e intolerância crescentes, a velha imagem de deitar fora a água suja do banho do bebé e também o próprio bebé.
  • Das diferenças naturais fazemos oposições radicais em que só há o Zero e o Um: ou és dos nossos ou estás contra nós; ou pensas como nós e és porreiro e sábio, ou pensas outras coisas e és mau, perigoso e ignorante.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

″A Ordem da Fénix de Harry Potter dá um quarto de milhão de oportunidades para uma criança aprender″ - DN

O neurocientista Johannes Ziegler considera que o sucesso na área da educação depende, em grande parte, da aplicação dos conhecimentos que a psicologia cognitiva tem para dar. Vem esta quarta-feira a Portugal debater o tema na Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Johannes Ziegler é um reconhecido neurocientista em França. Estará em Portugal no final do mês para debater
Johannes Ziegler é um reconhecido neurocientista em França.
Estará em Portugal no final do mês para debater sobre
o papel da psicologia cognitiva na educação
© DR

É um dos segredos mais bem guardados da educação e uma das maiores preocupações partilhadas entre pais de alunos que entram no 1.º ano de escolaridade: como aprender e ensinar a ler? Na Europa, 19% dos jovens com 15 anos revelam dificuldades na leitura a nível mais básico. Já em Portugal, apesar de menor, este número fixa-se nos 17,2%. Johannes Ziegler, 52 anos, um reconhecido neurocientista francês, acredita que (quase) tudo pode ser solucionado com a ciência. Por isso, dedicou a sua carreira a estudar este tema, sobre o qual já tem dezenas de publicações.

É membro do Conselho Científico de Educação Nacional de França, diretor do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) francês, mas também do Laboratório de Psicologia Cognitiva da Universidade de Aix-Marselha. Atualmente, foca o seu dia-a-dia numa investigação sobre a eficácia do digital como ferramenta de ensino na escola primária. Mas terá tempo para dar um pulo até Portugal. Esta quarta-feira, a partir das 15.00, será orador da conferência "Como aprende o cérebro? O papel das ciências cognitivas na educação", promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, no Auditório do Liceu Camões, em Lisboa. O DN esteve à conversa com o investigador.

Há uma discrepância entre os resultados práticos da educação e o avanço do conhecimento científico, cada vez mais capaz de nos fazer entender os caminhos do cérebro e como chegar ao sucesso escolar. O que explica este cenário?
As explicações podem ser várias, na verdade. A primeira é que leva tempo até o conhecimento científico se disseminar. Há sim uma enorme lacuna entre este conhecimento e a prática educacional. Por exemplo, os cientistas conhecem os melhores determinantes para a fluência e compreensão da leitura, mas os professores precisam de saber como é que estes determinantes podem ser ensinados aos seus alunos de forma eficiente. Há um problema de falta de preparação na transferência de conhecimento científico para a prática em sala de aula. Alguns países são muito bons nisto, mas outros não.

O que é que a experiência lhe tem dito: os professores estão cada vez mais ou menos adaptados ao conhecimento que as ciências cognitivas têm provado sobre o cérebro humano?
Quando uma criança demonstra dificuldades em aprender a ler,
"a melhor estratégia continua a ser a intervenção intensiva da escola".
"Não há soluções mágicas", diz o neurocientista
© DR
Não acho que estejam cada vez menos adaptados, porque têm aprendido muito com a neurociência da educação, sobre o processo de aprendizagem, a atenção, a memória, etc. Mas, atualmente, há muito pouca preparação de professores para algumas destas questões. É preciso compreender, por exemplo, que o cérebro está a mudar drasticamente durante a adolescência, que pode ser também o início de muitos distúrbios psiquiátricos, como depressão ou esquizofrenia.

Não é compreensível que hoje, com as ferramentas cognitivas que temos, não as utilizemos para exercer educação...
Definitivamente que não. Estamos num ponto de viragem histórico. Antes, a educação estava exclusivamente nas mãos dos departamentos de formação de professores e ciências da educação. Agora, sabemos que a aprendizagem é complexa e acontece num contexto social complexo. Há muito a aprender com outras disciplinas: psicologia social (comparações sociais, atitudes, estereótipos), metacognição (autoeficácia, aprender a aprender, pensamento positivo), psicologia cognitiva (aprendizagem, memória, atenção, personificação), psicolinguística e linguística (linguagem, compreensão, gramática, leitura, aprendizagem de segunda língua), sociologia e economia (desigualdade, pobreza), neurociência (plasticidade, conectividade, oscilações, ciclos circadianos, recompensa, feedback), ciência da computação (ferramentas educacionais, big data), filosofia (pensamento crítico, raciocínio), matemática (como tornar a matemática concreta e incorporada). Seria um erro enorme voltar atrás nessas fabulosas fontes de conhecimento sobre o cérebro.


Dedicou-se a esta ciência toda a vida, mas particularmente ao estudo de como é que as crianças aprendem a ler. Qual o papel da psicologia cognitiva neste campo?
Graças à ciência cognitiva da leitura, agora sabemos os ingredientes cognitivos e linguísticos exatos, sabemos como o processo funciona, na medida em que podemos programar um modelo de simulação que aprende como uma criança. Aprender a ler e a ensinar a ler já não é uma questão de opinião, tornou-se uma ciência difícil. Conhecemos o mecanismo do processo, assim como compreendemos como funciona o motor de um carro. Também entendemos muito melhor o que pode correr mal. Podemos simular num computador dificuldades de leitura específicas e possíveis resultados de intervenção. Graças à neurociência, conhecemos agora os substratos neurais destes processos, sabemos onde ocorre a aprendizagem no cérebro, quais as regiões que estão envolvidas, a rede neural, a importância dos fatores genéticos e do ambiente.

Em Portugal, as aulas já se iniciaram há mais de dois meses. Aprender e ensinar a ler é, nesta altura, uma preocupação de muitos pais com os filhos que entraram no 1.º ano de escolaridade. A partir de quando é legítimo que estejam realmente preocupados com possíveis dificuldades?
Os pais e professores devem estar sempre atentos e solidários desde o início. Se uma criança tiver problemas para aprender as letras e a forma como soam, não há necessidade de esperar até que a criança acumule um atraso de leitura que seja suficientemente importante para qualificá-la como disléxica. A criança precisa de treino adicional (que deve ser sistemático e intenso) antes de ficar para trás. E atenção, que isto não significa já que essa criança é disléxica. Significa apenas que precisa de ajuda adicional.

Então, como é que os pais e professores devem responder na prática?
É fundamental que os pais ofereçam oportunidades de leitura, principalmente compartilhada, para estimular o interesse nos livros. Os professores precisam de garantir um bom ensino e um bom apoio. Se o atraso da criança for superior a dois anos (uma criança lê no 3.º ano como uma do 1.º ano), os pais e os professores devem preocupar-se em dar apoio adicional, começando por um diagnóstico formal. E, mesmo com um diagnóstico formal, a melhor estratégia continua a ser a intervenção intensiva da escola. Não há soluções mágicas.

As tecnologias podem ser um amigo ou inimigo desta aprendizagem? Porque falamos frequentemente sobre a importância de uma escola adaptada aos novos tempos, onde os alunos têm acesso a computadores e até a tablets, mas há estudos que afirmam que a compreensão de textos impressos é superior à compreensão de textos equivalentes no suporte digital.
Vou dar um exemplo muito simples: a Ordem da Fénix, da saga de Harry Potter, contém 257 mil palavras. Uma criança que é capaz de ler este livro num fim de semana terá um quarto de milhão de oportunidades de aprendizagem, supervisionada, em que o significado do que é lido à criança é descodificado corretamente. Isto é chamado de "autoensino". Nenhum professor e nenhum tablet podem fazer melhor do que isto.

Mas algumas crianças não têm esta iniciativa nem são estimuladas para ela...
Exato. O problema é que algumas crianças não chegam lá, não entram no ciclo de autoaprendizagem, em que a leitura fortalece a aprendizagem. Para estas crianças que lutam para aprender as letras e os seus sons, o software educacional pode ser benéfico porque um tablet pode adaptar-se ao nível da criança e apresentar letras e sons milhares de vezes num ambiente lúdico. Além disso, crianças com problemas visuais podem beneficiar do espaçamento extra das letras nos e-books.

Então, o sucesso da educação passa por caminhar lado a lado com a ciência...
O sucesso educacional não vem apenas da psicologia cognitiva, mas seria uma loucura não usar esta base do conhecimento assente em evidências. Sabemos muito sobre a atenção, a memória e a aprendizagem das nossas crianças. Os custos da inação seriam tremendos.



″A Ordem da Fénix de Harry Potter dá um quarto de milhão de oportunidades para uma criança aprender″ - DN

domingo, 7 de julho de 2019

NÃO É FÁCIL O GENUÍNO PERDÃO.

NÃO É FÁCIL O GENUÍNO PERDÃO.

A vivência pessoal do sentimento do perdão está directamente ligada ao sentimento de pacificação interior, essencialmente, do ódio, da raiva, da decepção, da vergonha, da incredulidade e da injustiça. Pede coragem; e pede sofrimento pessoal - por vezes, muito sofrimento. Temos de desistir de coisas que têm muita força dentro de nós.
Que nunca nos falte quem nos acompanhe e dê suporte nesse tão difícil caminho.


“Perdoem os vossos piores inimigos”, diz num vídeo gravado na última visita ao Museu Auschwitz, aqui citado pelo “The Guardian”. “No momento em que perdoei os nazis, senti-me livre de Auschwitz e de toda a tragédia que me aconteceu.” Afinal, para Eva, não é assim tão difícil contrariar os sentimentos fundamentalistas de raça que podem conduzir a um genocídio: “Tratar todos com respeito e justiça. Não são necessárias grandes leis, não é necessário nenhum governo”.(1)
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(1) Jornal Expresso.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Sobre a empatia...

“A empatia é como um músculo: se não for exercitado, atrofia, se for trabalhado, cresce.”

Assim falada, a autoria da máxima acerca da empatia é de Jamil Zaki.

Direi eu que Jacques de La Palice poderia também ser autor da afirmação. Não digo isto para a desconsiderar ou desvalorizar, mas para chamar a atenção para que qualquer um de nós poderia pensá-la, ou senti-la, ou dizê-la.
O problema da empatia é praticá-la e ter vontade de a praticar.
Só que praticar a empatia pede duas coisas:
  • tempo, e tempo é o que a generalidade das pessoas diz que tem pouco.
  • atenção dedicada, e as pessoas dizem que têm muitas coisas com que se preocupar e resolver
Jamil Zaki, ao contrário de outros que disseram o mesmo que ele disse, conseguiu ser ouvido e divulgado, ainda bem! Vamos aproveitar a onda!
Vamos treinar a empatia? Sim, vamos a isso!


Nota: uma entrevista de Jamil Zaki, em inglês, aqui.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

A SÁBIA INTUIÇÃO DO VALOR CURADOR DA ESCRITA

1.ª edição das "Cartas Portuguesas"
de Mariana Alcoforado
«Como me és querido e como me és tirano!
Não me escreves; não pude coibir-me de te dizer isto, outra vez!
Vou recomeçar, e o oficial que se vá embora. Que importa? Que parta, escrevo mais para mim do que para ti. Busco apenas aliviar este coração.»

Mariana Alcoforado, a acabar a 4.ª e penúltima carta, 1669.

domingo, 16 de junho de 2019

DE ONDE SURGEM OS AFECTOS?

DE ONDE SURGEM OS AFECTOS?


Os afectos surgem da presença ou da ausência dos outros.
É por isso que os procuramos cada vez mais avidamente nos ecrãs dos telemóveis: para que estejam logo ali a proteger-nos do medo de nos sentirmos sozinhos.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O mistério eterno de toda a capacidade humana

August Rodin
Stefan Zweig
«[Rodin] aproximou-se da porta. Quando ia fechá-la à chave, descobriu que eu [Stefan Zweig] estava ali e fitou-me quase com ar zangado: quem era aquele jovem desconhecido que entrara à socapa no seu atelier? Mas no momento seguinte recordou-se(1) e veio ter comigo, quase envergonhado. "Pardon, Monsieur", começou ele. Mas não o deixei continuar. Limitei-me a apertar-lhe a mão em sinal de gratidão: teria preferido beijá-la. Nessa hora tinha visto abrir-se diante de mim o mistério eterno de toda a grande arte e até mesmo de toda a capacidade humana: a concentração, a aliança de todas as energias, de todos os sentidos, o abstrair-se de si próprio, a abstracção do mundo que acompanha qualquer artista. Tinha acabado de aprender uma coisa para toda a vida.»(2)


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(1) Na verdade, e segundo o relato autobiográfico de Stefan Zweig, fora o próprio Rodin que convidara Zweig a acompanhá-lo ao atelier. Isto terá acontecido por volta de 1906, antes da 1.ª Grande Guerra; rememorado e posto a escrito na iminência da ocupação de Paris pelas tropas alemãs em 1940.

(2) Stefan Zweig, "O Mundo de Ontem, recordações de um europeu", Assírio & Alvim, 2005, 2017, pp. 181-2.

sábado, 6 de abril de 2019

terça-feira, 2 de abril de 2019

O controlo do medo através da antecipação mental repetida

A GESTÃO DAS EMOÇÕES


«I'm not trying to overcome my fear, I'm just trying to step outside of it.»(1)

Estão a ver porque o treino da gestão das emoções é tão importante? Este homem realizou actos únicos entre todos os seres humanos. E de que fala ele? Do que é mental, do que pede muita atenção, e controlo do medo; treino e antecipação mental repetida.

(Tem legendas em português do Brasil)
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(1) Eu não estou a tentar vencer o meu medo, eu só estou a tentar manter-me fora dele.