quinta-feira, 1 de julho de 2021

MORREU O ÚLTIMO DA GERAÇÃO DE FORMADORES DA PSICANÁLISE QUE ME MOLDOU

MORREU O ÚLTIMO DA GERAÇÃO DE FORMADORES DA PSICANÁLISE QUE ME MOLDOU


João dos Santos, Maria Rita Mendes Leal (grupanalista), Pedroso Flores, Francisco Alvim, Pedro Luzes e Teresa Ferreira.

O último, António Coimbra de Matos. Morreu hoje.

Em rigor, nunca foi meu professor. Li muitos dos seus textos, assisti a muitas das suas palestras e supervisão de casos; eu próprio tive vários casos clínicos supervisionados por ele.

Nunca foi, nessa condição, um mestre que me agradasse especialmente. Senhor de um discurso clínico muito contundente, as suas concepções enraizavam-se no que de mais radical a Psicanálise produziu, num linguajar carregado da mais restrita mitologia sexual inconsciente como causa das perturbações da saúde mental.

Acontece que nunca duvidei que nele tinha eu um mestre que muito tinha para me ensinar e com quem eu muito poderia aprender; por isso nunca deixei de aproveitar as oportunidades que tive para o ouvir e ler.

Quando João dos Santos morreu, António Coimbra de Matos, objectivamente e aos meus olhos, ganhou outra dimensão. Foi com muito agrado que o vi ir-se transformando, trazendo-nos explicações e interpretações menos radicais das perturbações mentais e da intervenção psicoterapêutica.

Do ponto de vista da Cidadania, foi com entusiasmo que me reconheci no seu radicalismo de denúncia das condições políticas e sociais injustas que mantêm a exploração e o domínio de muitos por poucos — é que essas condições é que são as causas das mais profundas perturbações do bem-estar das pessoas. Neste campo, sim, quis — e quero! — manter-me tão radical quanto ele.

A partir de hoje, eu e a minha geração deixámos de ter, atrás de nós, na nossa rectaguarda, o último farol para que de vez em quando olhávamos à procura da palavra ou do pensamento que nos guiasse na dúvida, na incerteza ou no desconhecimento.

Sinto que agora é a minha geração que tem de manter os faróis bem iluminados para as gerações que nos seguem — senti-o hoje no mais profundo da minha pele, no mais profundo do meu ser.

Não podemos negar esse papel, temos de saber merecer os mestres que tivemos, temos de testemunhar-lhes a nossa mais profunda gratidão. Mais que com palavras, com actos.

Os nossos mestres vão continuar a manter os faróis a guiar-nos dentro de nós mesmos. Saibamos nós, com alegria, com crença, com determinação, com rigor, com humildade e com devoção, propormo-nos como guias para as mais novas gerações de aprendizes de feiticeiros.

No profundo sentimento de aconchego que neste momento os meus formadores na Psicanálise me despertam, eu envolvo os meus queridos colegas que a partir do ano de 1979 embarcaram comigo na fascinante viagem da Psicologia Clínica; alguns mais se foram juntando pelo caminho — para estes, a intensidade do abraço é a mesma.

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